domingo, 28 de agosto de 2011

O que não se pode esquecer

Tinha ficado com o seu cheiro essa noite, e não consegui dormir. Levantei da cama, dava passos pra lá e pra cá, por vezes consultava o relógio. Já era tarde. Senti saudades suas, por onde anda? Será que, de repente, também sente o mesmo? Essa nostalgia misturada com carência e um pouco da gente. Quer dizer, se também estiver reparando na lua pela janela do seu quarto, e meu cheiro invadir suas narinas como em passe de mágica, talvez seja meu pensamento chegando até você. Ou seja só saudade. Minhas de você, ou suas de mim. Ou lembranças vagas pelo ar. Me pergunto se também sente frio, é uma noite fria, costumávamos nos esconder debaixo do edredom, aquele que tinha o seu cheiro e você gostava tanto. Ficávamos horas nos olhando, eu me perdia toda em pensamentos desconexos enquanto entrelaçávamos nossas mãos e olhávamos pro teto como se pudéssemos ver estrelas postas nele. E até tinha, lembra das nossas manias de inventar coisas que só a gente entendia? E quando eu contava aquelas piadas péssimas e sem graças que fazia você rir pelo jeito que eu as contava gargalhando em cada passagem? No final eu que acabava sem graça por você colocar uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e diminuir a intensidade do sorriso, reparando os detalhes do meu rosto com olhar singelo, como se me admirasse. Você adorava me deixar sem graça, sempre provocava isso em mim, lembra? Lembra também quando você me emprestava seu casaco, aceitando passar frio só pra me manter aquecida quando, talvez de propósito, eu esquecia o meu em casa? Mas não era suficiente se não tivesse você me cobrindo com seus braços longos envoltos do meu corpo pequenino. Lembra quando eu sempre reclamava por você morder minhas bochechas? Era tudo draminha, e apesar de eu sempre ter detestado quem as apertasse, você era excessão.

Lembra daquela música cuja letra descrevia tudo o que sentíamos? Rotulamos como nossa, e sempre ouvíamos para nos perder no calor que era o nosso corpo junto, abraçados. Lembra quando deitada no seu peito, eu costumava contar histórias inacabáveis, tão chatas quanto eu as contando e você fingindo prestar atenção? Você nunca soube, mas eu sempre percebia quando você não prestava atenção, e dizia monossílabas como "aham" "sei" "entendi" só pra não ficar tão na cara assim o seu desinteresse. E pegava no sono, logo em seguida eu também pegava e acabávamos dormindo ali, pra em seguida nos encontrarmos em sonhos. Lembra daquela vez em que eu me arrisquei na cozinha da sua casa, tentando fazer aquela pipoca pra assistirmos um filme, mas sem querer acabei exagerando no óleo e orgulhosa como sou tentei disfarçar só pra você não perceber que eu não era tão boa assim? Mas sempre tentava ser. Pra você, por você. Lembra daquelas nossas brincadeiras? Parecíamos duas crianças bobas, rolando no chão pra ver quem conseguia morder o outro primeiro. Seria certo dizer que você sempre ganhava, tinha mais força, mas não a usava para não me machucar, o que resultava em eu me esquivando até você se irritar por não conseguir me pegar desprevinida. Você quase nunca soube disfarçar, meus reflexos eram mais ágeis. Lembra das inúmeras vezes que fiz você procurar as tantas tarraxas dos meus brincos de bolinhas que se perdiam no chão? Tanto que você passou a tirá-los para não acontecer mais; sem tarraxas perdidas, sem brincos sem pares.

Você adorava quando eu fazia cafuné no seu cabelo, você lembra? E eu adorava quando você beijava minha testa depois o nariz depois a bochecha depois a boca depois o queixo depois a mão... me beijava, e protestava que amava isso. Eu também. Beijar você, é claro. Tinha gosto doce, doce como nosso amor, o nosso gosto. Mas espera, não se conjulga amor no pretérito imperfeito; é sempre no presente, amor é presente, permanência do passado, continuidade no futuro. Se não for assim, não é amor. Portanto eu não gostava, eu não sentia; eu gosto, eu sinto, eu amo, eu lembro. Você também se lembra? Lembra de como era bom jogar conversa fora, e no quão maravilhoso era termos a cumplicidade de amigos, e a paixão de um casal? E as mensagens carinhosas durante a noite? Lembra das coisas que você me dizia, que apesar de nervoso, talvez com as mão suadas e sentisse frio no estômago - as borboletas também estavam presente em você, não era? - você recitava as palavras mais bonitas, simples e sinceras que alguém pôde recitar pra mim um dia. Você consegue lembrar de tudo? Das coisas simples? Lembra que você sempre tirava uma comigo quando eu começava a cantar inglês e você pedia pra mim não cantar só porque minha voz não era tão afinada? Quando você propositalmente bagunçava meu cabelo quando estava arrumado, e dizia que ficava lindo do mesmo jeito? Eu me atirava no seu colo, mordia sua orelha e puxava o seu cabelo. Enconstava minha batata da perna na sua, você sempre foi tão quente, era bom em dias frios, como esses. E cairia bem a sua perna quente agora aquecendo a minha, mas tudo o que encontro ao meu alcance são velhas cobertas, aquele meu casaco que você colocou pra ver se servia em você, mas obviamente não serviu; sou tão pequena e você tão grande. Ficava engraçado, eu ria até chegar a gargalhar.

Consulto a minha caixa de mensagens, ainda não chegou nenhuma nova mensagem. E se chega, não é sua. Me entristeço sempre que isso acontece. Será que também se pega lembrando de mim? E a minha falta, você sente tanto quanto eu? Será que dói em você também? A saudade dói, meu peito chama por você, e o silêncio agoniante grita pelo seu nome. E o frio? Chega a ultrapassar minhas costelas, faz doer os ossos. É saudade doída, vontade grande de você. Me aquece as lembranças, mas não é o bastante. Ainda sinto frio, ainda sinto nostalgia. Se o telefone tocar eu sei que vou sorrir, na esperança de que seja você ligando no meio da noite pra dizer que não consegue dormir, que se lembra de tudo e que quer me ver pra me aquecer. Me liga, me pergunta como estou, queira saber se sinto frio também, diz que a noite de inverno se torna triste sem eu por perto pra fazer você sorrir com as bobeiras que falo. Me liga, diz que precisa de mim, que precisa me ver, que precisa segurar a minha mão, e diz também que não deixou de sentir. Pede desculpas por já ser tarde da noite e me acordar, eu direi que não faz mal, na euforia interna deixarei escapar até que estava esperando. Te quero bem. Bem perto de mim.

Você não precisa decorar meus poemas, mas só não esquece que as palavras foram escritas no intuito de transmitir tudo aquilo que eu não posso esquecer. Eu vou deitar na cama agora, me encolherei no cobertor e pegarei o travesseiro pra fingir ser você. Mas não se preocupe, eu não dormirei, mesmo que queira encontrar você nos sonhos; eu vou ficar acordada, pensando bem forte em você pra quem sabe assim, meu pensamento de algum jeito te atinja e faça meu telefone tocar, quebrando o silêncio, inquietando esse coraçãozinho revirando todo o meu peito a procura do seu. Eu pensei em te ligar, mesmo que pra ouvir sua voz de sono atender meio desnorteada e logo em seguida eu desligar. Mas seria tão insensato quanto ficar acordada até essa hora esperando que você faça tal ato. Se estiver acordado também, só não esquece que a única coisa que eu esqueci, disso tudo, foi meu coração com você. Não, eu não o quero de volta, pode ficar com ele aí; mas por favor, cuida dele. E me liga, manda algum sinal pra eu saber que a única coisa que você esqueceu foi o seu coração comigo.

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"Dê atenção ao que tem sintonia com você. E toque sua vida, sem agredir."

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