sábado, 20 de agosto de 2011

Disfarçadamente abalável

Se atirava na cama toda vez que se enfatizava da vida e resolvia ficar de mal com ela por ser tão incompreensível e lhe empurrar sempre que estava desprevinida. Dava-lhe as coisas, trazia-lhe pessoas, mas também tirava dela como se fosse certo a fazer sentir saudades absurdas do que estava indo embora sem que ela pudesse ao menos se despedir ou se desapegar. Orgulhosa do jeito que era, teimosa como ninguém, olhava para o espelho e rasgava o rosto com sorrisos tão falsos quanto suas proclamações de se virar sozinha, de ser feliz sozinha, como se nenhuma ida lhe abalasse. Pensava nos milhares de problemas que carregava na sua vidinha e concluía que de todos eles, o principal era ela mesma. Cheia de talvezes, talvez fosse ela quem sempre estava indo embora, ou que permitisse que lhe abandonassem. Mas nada podia fazer, ou pelo menos não sabia como fazer pra entreter os outros e os convencerem a ficar. Vez ou outra se culpava por ser tão melodramática, ter medos bobos e inseguranças absurdas. Tinha medo de ter medo, temia fazer tudo errado por querer fazer sempre a coisa certa e manter o controle pra se certificar de que da vez em que se encontrava apegada à alguém, talvez pudesse ser diferente e mantê-lo em seu casulo. Tentava provar que podia ser forte o quanto quisesse, que suportava a carência e a ausência das pessoas, mas se surpreendia ao se entregar no fim do dia e chorar feito criança desconsolada, se atirar na cama e pedir baixinho pra que passasse. Usava a intuição, sabia que era cheia de amor por muitos, mas correspondida por poucos, talvez. É tão frágil quanto boneca de porcelana, se magoa com qualquer que seja a razão que a faça se sentir menos importante na vida de alguém, substituível e trocável; descartável como roupa velha em gaveta. Embora não pareça, embora não queira revelar-se tão magoável para que não o façam, para que não usem sua vulnerabilidade para manipulá-la. Mas sente, sente muito e se chateia com qualquer coisa. Se chateia com a ideia de conseguirem viver muito bem sem ela, e que seja esquecível como noite de bebedeira e seja a ressaca indesejável do dia seguinte. Se chateia por se chatear com facilidade, embora sempre releve muita coisa. Mas não esquece, não que guarde rancor, mas lembra vez ou outra. Ela é tão boa em se disfarçar, ou nem tão boa assim. Ela só quer causar redemoinho no estômago de alguém, quer que sintam medo extremo de perdê-la assim como ela sente. Pode-se dizer que ela gostaria que sentissem quase tudo o que ela sente, só pra não sentir como se sentisse tudo sozinha. Pode-se dizer que ela é do tipo que não implora atenção de ninguém, embora precise demasiadamente. E se recolhe, pede afeto com o olhar, e se não entendem, ela que não vai explicar. Pode-se dizer que ela é complexa, mas não é tão difícil compreendê-la, tampouco impossível. Se atira na cama, dessa vez enfatizada consigo mesma. Imagina possibilidades absurdas, atiça o medo e se auto-entristece, desmerecendo-se na vida das pessoas. No fundo, ela só tem medo de se perder e não se encontrar nunca mais. E há quem diga que seu antídoto seja a segurança inabalável, estabilidade intacta. Se atira na cama, chora um terço pra dissipar suas angústias e dorme, talvez na esperança pra que passe e ao acordar não sinta mais.

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"Dê atenção ao que tem sintonia com você. E toque sua vida, sem agredir."

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