sexta-feira, 10 de junho de 2011

Da teoria à prática

Havia algo de diferente naquela moça que entrava naquele local. Havia um bloquinho de notas, uma caneta e muito o que dizer. Ela decidira que dali em diante preencheria aquelas páginas em branco com seus mais pesados desabafos; suas histórias. As palavras acumuladas dentro dela a deixava inquieta, e como não havia de deixar, se tudo o que mais queria era poder descarregá-las para quem quisesse ouvi-las? Mas não havia ninguém... não que ela pudesse confiar o bastante para contar seus segredos mais secretos - seus sentimentos. Aparentemente parecia bem, sempre parecia. Parecia. Para o garçom, no dia frio, olhou para o cardápio exposto a sua frente e por um momento se conformou em pedir somente um café, e seria bom demais pra ser verdade se viesse acompanhado de um novo amor, quentes, pra ser exata. Ela lembrava dos versos que havia guardado na cabeça para anotar em seu bloquinho, e criava diálogos consigo mesma, na espera de que um dia alguém os recitasse da forma - ou até melhor - que ela gostaria. Olhava o mundo afora, os casais que passavam em frente a lanchonete abraçados como se tudo o que importasse era estar vivendo o momento em que se encontravam juntos. E ela... só a se imaginar vivenciando aquilo, como criança babando brinquedo de vitrine. Ao lado - no balcão - um rapaz sozinho, às vezes olhava para o relógio no pulso, e quando olhou para ela ali, também sozinha, por um momento a fez fantasiar um encontro do destino, como se algo fosse acontecer da forma como escrevera no roteiro de seu último romance; históriazinha escrita à lápis em um pedaço de papel desgastado. Era tão boa em montar esses cenários pra sua vida tão monótona, incompleta de alguma emoção que a fizesse sentir mais do que podia imaginar sentir. Reparava em tudo quanto era detalhe, em busca de cessar a vontade inata que tinha de encontrar seu personagem - aquele que criara, fantasiara e esperava para si. E se o encontrasse... seria capaz de não soltá-lo nunca mais. 

Ao dar uma última conferida na hora, e para ela, o rapaz enlargueceu um sorriso, e mesmo que ela não tivesse sido o motivo daquele sorriso, aquilo havia aguçado suas esperanças. Olhando para trás dela, pôde aliviar-se ao ver chegar quem estava esperando, e foi ao encontro daquela que provavelmente era a dona daquele sorriso tão convidativo. Ele se foi, ainda não seria dessa vez que aquela moça ali, sozinha com seu bloquinho cheio de teorias teria a sorte de praticá-las. Todos os dias, nos mesmos horários, nas mesmas rotineiras de sempre, ela estava ali... Por ora sempre acontecia de alguém chamar sua atenção, mas nada que a prendesse de fato. Porém, ela só queria continuar acreditando, seria pedir demais? Não. Não seria. Que mal havia de ter em sonhar tão alto com as palavras que dialogava por ela, por ele, pelos dois? Pelo menos isso não lhe custaria nada. Ou sim, talvez tenha custado aquelas velhas mágoas restritas do passado em seu coração que só queria estabilidade. Mas ainda sim, acreditava e sonhava; mágoa nenhuma havia lhe feito desistir disso, embora tivesse lhe tirado quase tudo o que tinha. Tão cansada da mesmice que se encontrava, às vezes se aventurava às custas das emoções alheias, já que as suas se encontravam em estado de declínio - sequer reserva tinha, e se era que realmente tivesse reserva de emoções vivas. E de todas as coisas mais improváveis que poderia imaginar - já não tinha mais o que imaginar -, ela não esperava que dessa vez, naquela mesma lanchonete - cujo já era freguesa conhecida e simpatizada -, no mesmo horário, seu café havia vindo com sabor diferente, e com a possibilidade de um novo amor acompanhado. 

Havia algo diferente naquele rapaz que entrava naquele local, havia o olhar direto, e seu sorriso parecia não ter nenhuma dona. E se tinha, ela desconhecia. Havia levesa e simplicidade na forma como conversava com o garçom, pedindo um café, e sentando-se sozinho em uma mesa ao lado dela. Talvez, ele também estivesse se conformando em pedir somente um café, e seria bom se este lhe viesse acompanhado de um novo amor. Logo os dois de algum modo podiam perceber que estavam no lugar certo naquele momento. Tinham algo em comum. Seus olhos estavam cansados, talvez fosse pelos mesmos motivos que os dela também se encontravam: de tanto procurar e não achar. E olha, eles se acharam. Sem precisar de pretexto nem nada, quando foram ver já estavam em uma conversa a mais de meia hora, e o assunto ainda rendia outros assuntos. Ela sequer se deu conta de que, ao estar perto dele, não imaginava nenhuma cena do destino. Talvez porque ela estava ocupada demais tentando entender porque nunca o tivera encontrado antes. E não me  pergunte o que ele achava disso, pois também não conseguia entender porque não havia entrado naquele local antes; ou se tivesse entrado, por que não havia encontrado-a ali? Talvez se não estivesse tão cansado de procurar, e ambos não vivessem na monotonia dessa procura que viviam, o encontro à tona tivesse sido mais precoce. E ninguém pode dizer que foi acaso, pois ela não o encontrou porque estava procurando, nem ele. Mas porque ambos se procuravam, e nessa procura se encontraram. E naquele diálogo sem esforço para ser desenvolvido, ela argumentou aquelas suas tentativas falhas de desculpa por não ter colocado em prática suas teorias, dizendo apenas: "Eu fiquei sentada te esperando a tarde inteira, mas você não veio", e do silêncio, fez-se a resposta dele: "É que eu também estava sentado esperando por você".

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