Mal entendido

Eu tinha falado tantas vezes, ou melhor dizendo, eu avisei, tantas vezes pra tomar cuidado. Porque eu sabia que um descuido qualquer, num momento de raiva ou impulso, o que saísse pela boca entraria na minha cabeça e não sairia mais. Porque eu sabia que me desmontaria com qualquer palavra errada mal dita. Aconteceu que você acabou sendo tão mais impulsivo do que eu costumo ser que me assustei com tamanha agressividade verbal, e não precisou obter xingamentos, nem ofensas, e sim somente uma palavra: cansei. E o pior foi o complemento dela logo em seguida, juntamente com o olhar feroz. Senti como se você fosse o lobo malvado e eu a garota indefesa, chocada com aquele seu olhar, que eu nunca tinha visto antes. Se fosse pra descrever aquela situação, seria mais ou menos assim: você a bala perdida, e eu o copo de vidro estraçalhando todo no chão. L e n t a m e n t e. Em câmera lenta, como se cada parte do meu corpo tivesse sendo dilacerado aos poucos, pra torturar. E supondo que o copo de vidro estivesse com água, o choro veio logo em seguida. E pra ser muito sincera, ele já estava implorando pra sair antes mesmo da fatalidade daquele ocorrido. Eu não queria que ninguém visse eu me derramando numa profunda decepção, e de repente era como se tudo fosse capaz de me atingir. 

Foi uma noite e um dia inteiro perdida em devaneios, nas cenas se repetindo, e enquanto tentava pegar no sono pra ver se passava, trocava de posição pra, quem sabe, as cenas se desmanchassem em fumaça e fossem embora de vez. Eu queria esquecer, meu Deus, como eu queria ter esquecido e me mantido forte, só naquele instante. Mas ter me segurado só me mostraria que eu não estava sendo forte, eu estaria sendo tola, porque ter sentimentos e um coração tão quente como o meu requer a consciência de que a consequência disso é correr o risco de se expor, mesmo que pareça tão fraca como pareci naquele momento. Não dá pra fingir, meu coração ainda continua sendo de vidro, e apesar de vez ou outra estar quebrando, ainda insisto em remontá-lo, em remendá-lo; só não quero ter que fazer isso sempre sozinha. Na hora do descarrego, não pude ter certeza de absolutamente nada. Quer dizer, a única certeza que tive é de que não queria sentir aquilo nunca mais.