domingo, 16 de outubro de 2011

Corda partida

As mãos trêmulas, os olhos marejados. Sabia bem que, a princípio aquela conversa mal começada, a dor antecipava-se e o coração inquieto dentro do peito tenderia a elevar o nó na garganta. Acostumou-se tantas vezes com a tristeza, com a ausência dele em sua vida que consolava a si mesma: de tantas vírgulas borradas, das reticências quase apagadas, o ponto final talvez faria doer tudo o que tinha pra doer, mas teria que passar... Iria passar, mesmo que demorasse. Antes que a dor aos poucos fosse passando por cima dela e terminasse de dilacerar os cacos do coração que batia por dever dentro da mesma. Sabia bem, das vezes que ele voltara para ela, não era porque lhe pertencia ou porque talvez, sentia falta. Sim, no fundo ela sabia disso, mas gostava de disfarçar a verdade como quem tapa o sol com a peneira. Era tão inútil como quem tenta fugir da própria sombra. Tão diferentes, podia-se dizer que ambos se completavam por serem distintos. Podia-se. Não era bem assim que as coisas funcionavam. Das brigas, poucas reconciliações. Das lágrimas, poucos consolos. Era um desequilíbrio explícito que, quanto mais ambos tentavam empurrar com a barriga, a corda que os uniram um dia - tão por acaso - ia se desgastando cada vez mais, e dessa vez as chances de quebrar-se era ainda maior. E se quebrasse, não haveria volta: uma corda partida nunca mais é a mesma. Como um espelho quebrado, por mais que cole os cacos, as rachaduras serão evidentemente destacadas. E a relação dela com ele era isso: uma rachadura. Se ele gostava sempre de brincar de vai e vem com ela, ela fingia entrar na dança, mas sempre acabava dançando. Dançando sozinha, sem música, sem ele.

Antes fosse o fato de estarem sempre discordando das coisas, serem totalmente e extremamente diferentes, em todos os sentidos, em todos os pontos. Antes fosse ela ser quente e ele ser frio, ou vice-versa. Antes fosse o universo conspirando contra eles, os signos incompatíveis, os astros, os orichás, os tarôs. Era ele, o problema era ele. A falta que ele fazia na vida dela: a falta de presença, de vontade, de respeito, de afeto, de tempo, de atenção. Era somente ele, que fazia o favor de brincar com ela como se ela fosse uma boneca de pano ou inflável, embora parecesse (externamente) uma. Era somente ele, que desperdiçava todas as segundas, terceiras, quartas e quantas mais chances ela dava. Seus argumentos quase sempre não passavam de monossílabas secas, matando aos poucos o pouco da força de vontade que ela ainda tinha. Poderia-se dizer que esse jeito bruto dele talvez fosse só medo ou insegurança ou até mesmo desconhecimento de demonstrar sentimentos que possuía. Isso é, se possivelmente ele possuísse algum. Mas ela não o ensinaria isso, já bastava o masoquismo de ter que esperá-lo nessas idas sem garantias de volta que ele tinha. Ela sabia bem que, dificilmente o faria mudar, o faria dar valor ao que ela sentia por ele, mesmo que não fosse merecedor de tamanha consideração - ou poderia dizer amor? - que mesmo com o coração cansado das surras, dos desgastes, ainda era capaz de continuar sentindo justo por ele. Se era ruim com ele, pior ainda era sem. Ela sabia bem disso. Se corria, tropeçava. Se ficava, caía. Era um beco sem saída do qual ela não tinha muitas opções. Desistir, talvez. Ou melhor: não insistir mais. Quem sabe fosse a hora dela ir embora, ao invés de sempre ficar e esperar. Quem sabe fosse a hora dela ter o seu momento de partida, mas diferente dele, sem volta. Porque se tudo fazia parte de uma jogada, uma coisa era certa: nenhum dos dois ganhariam. Ela morreria aos poucos - por dentro - sabendo que talvez ele não se importaria ou nem chegasse a perceber a ausência dela. E ele perderia pela estupidez de deixá-la escapar da vista. Da vida. Do coração. 

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"Dê atenção ao que tem sintonia com você. E toque sua vida, sem agredir."

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